Crônica: A rainha morreu!

     "A rainha morreu!"
    A notificação de meu celular apresentou as três palavras soltas e sem vida da mesma forma que sempre anunciava que meus créditos acabaram. Surpresa e incrédula, engoli a última colherada do meu almoço e peguei o aparelho para verificar a mensagem. Cliquei. Era um amigo avisando exatamente aquilo que eu havia lido: a rainha morrera. Entretanto, a informação parecia muito suspeita porque a rainha britânica era como prótons e elétrons. Isto é, ela não estava viva e, sim, existia como parte constituinte do universo que Deus criara. Que haja Elizabeth!
    Levantei a sobrancelha e digitei: "deixa de ser mentiroso!"
    A resposta rebateu rapidamente: "por que eu brincaria com algo assim?"
   Não que eu duvidasse da integridade moral do portador da notícia, mas as pessoas brincavam sobre a falecida todos os dias. Que o primeiro pet da monarca inglesa fora um estegossauro. Que ela fora colega de classe de Metusalém... Isso tudo só porque ela governara havia sete décadas e seus olhos viram fatos históricos como a Segunda Guerra Mundial, a Queda do muro de Berlim e a mais recente pandemia de Covid em 2020. Logo, minha descrença era mais plausível do que poderia ser.
    Pesquisei rapidamente e a informação era verdade. Sua Majestade a Rainha Elizabeth II faleceu no Castelo de Balmoral em oito de setembro de 2020, após alguns meses de fragilidade salutar. Ao saber, a família real prontamente se mobilizava ao seu encontro. Eu, plebeia, lavei meu prato. 
    Em seguida, postei uma simples homenagem à rainha nas redes sociais. Rest in Peace, escrevi. Por sinal, parecia bem ridículo postar aquilo. Uns diriam isso porque ninguém da família real leria minhas condolências. Outros, mais debochados, diriam que eu era só mais uma mulher latino-americana e sem dinheiro no bolso escrevendo em inglês para uma rainha que nem era minha. Outros, ainda mais politizados, diriam que era mesquinho homenagear a representação pessoal da exploração de vários povos ex-colonizados etcetera e tals. Contudo, superei essas três premissas e me atrevi a dar meu adeus à falecida. Quem era eu para não dizer adeus à parte do mundo que sempre esteve ali?
    O restante do dia passou normalmente e, como esperado, não se falou de outra coisa. Muitos memes, análises político-econômicas, protestos, discussões sobre se o filho príncipe Charles reinaria. Quanto a mim, sobreveio uma sensação de desamparo, uma melancolia de que o mundo já não era o mesmo de quando eu assistia os filmes de princesa da Disney aos meus sete anos.
    Talvez alguém poderia dizer que eu estava exagerando, que a morte da britânica em nada me afetava. Porém, eu tinha uma tendência tosca de crer em efeito borboleta: uma borboleta batia asas na Inglaterra e o preço do leite aumentaria na Baixada Fluminense. Dadas as minhas condições financeiras, eu não poderia comer sucrilhos por causa da tal borboleta. Mas era mais que isso. Como millenial, eu era cria da parte final de um século turbulento chamado de XX e, naquele dia de setembro, eu senti que esse século findara só no momento em que a última grande líder do século deixou o mundo. 
    Como o nascente século XXI seria? A pergunta pairou inquietante no meu pensamento por algumas horas enquanto eu fazia faxina na cozinha. Um mundo pós-pandemia, varíola do macaco, inflação mundial galopante, a perdurante guerra na Ucrânia, Brasil um mês antes da eleição eram o cenário de incerteza perfeito para trazer angústias aos mais avisados. Olhando para o esfregão, suspirei. Algo dentro de mim dizia que o planeta continuaria sendo o que sempre foi com rainha ou sem rainha: nenhum conto de fadas.
  
    

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